Por muito tempo a Argentina pediu o Messi do Barcelona. Agora, a melhor versão do craque aparece quando este veste a camisa alviceleste. Tudo graças a "Scaloneta", o apelido encontrado no país para descrever o momento mágico vivido sob o comando de um improvável Lionel Scaloni, e que já faz com que os Hermanos sonhem novamente com um título mundial.
A Copa do Mundo do Catar já se aproxima e não há entre as grandes seleções uma capaz de se aproximar do recorde atual de invencibilidade da Argentina. Já são 24 jogos sem derrota, uma série impressionante, a segunda maior da história da seleção argentina, e a maior em atividade depois da queda da Itália na Liga das Nações.
Lionel Messi, claro, é o astro desta equipe. Líder como nunca havia sido. Feliz e descontraído como nunca antes foi, mesmo em seus melhores momentos na Argentina. O título da Copa América, encerrando o jejum histórico argentino, tirou do craque e da seleção um peso enorme. O resultado é evidente: nos últimos quatro jogos, em três a equipe de Scaloni anotou três gols. O último, neste domingo, no clássico contra o Uruguai.
Messi, por sinal, soma nove gols e cinco assistências em 13 jogos disputados pela seleção em 2021. Números dignos do melhor Messi, dos tempos de Barcelona, e que o torcedor do Paris Saint-Germain ainda espera ver na França, onde marcou apenas um gol em cinco partidas.
Mas o que mudou para fazer Messi brilhar? A resposta mais curta é: há jogo coletivo. Como nem mesmo existiu no vice-campeonato em 2014, quando uma finalização errada de Higuaín poderia ter derrubado a Alemanha do 7 a 1 na final. Mas vamos tentar abaixo destrinchar os pontos fortes da "Scaloneta".
Dibu Martínez tem daquelas histórias de superação que encantam. Há apenas dois anos, o goleiro ainda tentava encontrar o seu espaço como profissional, apesar do talento o ter levado cedo para a Inglaterra. As oportunidades tanto nos Gunners como na Argentina surgiram quase que por força do acaso, e Martínez estava pronto para elas.
Chamado de "Animal" e "Monstro do gol" na imprensa argentina, Dibu ganhou um fã especial: Lionel Messi. Para o craque, o goleiro é um "fenômeno" capaz de deixar a todos tranquilos, com a certeza de que há debaixo das traves alguém capaz de corrigir eventuais erros defensivos.
Os erros na defesa argentina, por sinal, já são apenas esporádicos. E aqui há também um nome que tem ganhado destaque e, para muitos, é o responsável direto por essa nova segurança defensiva. Cristián Romero elevou o nível da zaga dos Hermanos, e tem deixado a Otamendi o bom papel de coadjuvante.
O setor defensivo da Argentina pareceu nunca acompanhar o talento ofensivo na Era Messi. Romero vem dando a estabilidade necessária lá atrás para mudar isso, e conta com apoio de bom nível pelos lados também, com nomes como Nahuel Molina, Tagliafico ou Acuña.
A Argentina de hoje parece mais forte defensivamente do que a própria versão de 2014, talvez a mais segura dos últimos anos, mas com nomes como Garay, Demichelis e Fede Fernández, que não eram unanimidades como Romero.
Contra o Uruguai, a Argentina entrou com a tríade formada por Paredes, De Paul e Lo Celso. Três atletas com poder de marcação e capacidade para trabalhar a bola. Juntos, os três fazem o jogo fluir sem deixar de lado a essência de intensidade do futebol argentino. O meia do Atlético, por sinal, tem conquistado cada vez mais a torcida dos nossos vizinhos e há quem exalte o novo "De Paulismo".
No ataque, Messi sempre teve boa companhia. No momento, é comum o vermos ao lado de Lautaro Martínez, que desempenha o papel que já foi de Higuaín com mais versatilidade e movimentação, além de Di María ou a opção mais jovem, Nicolas González. Com um coletivo bem encaixado, no entanto, o ataque consegue se movimentar com maior fluidez e tranquilidade. A maior diferença, no entanto, talvez seja o próprio Messi.
Sempre se cobrou de Messi que solucionasse os problemas de toda a seleção argentina. O craque até tentava, mas em muitos momentos se viu perdido em campo. Por muito tempo, jogar na seleção pareceu para o atacante uma obrigação penosa, desconfortável. Pelo talento, Messi definia jogos, mas ainda assim era criticado e tratado às vezes até como um "forasteiro" por mídia e torcedores. Um peso enorme até para o maior jogador de sua geração.
Quando a Argentina chegou ao fundo do poço, mergulhada no caos e nas trocas de comando, Messi decidiu dar um passo a frente. Se colocou como o líder fora de campo que nunca quis ser. Tornou-se porta-voz dos atletas e do próprio povo argentino. A relação mudou e, mais maduro, o craque se mostrou um símbolo do país por seu lado humano, como foi Maradona em seu tempo.
Em campo, o desempenho também mudou. Messi soube dosar os rompantes de agressividade, quando nada ia bem para a Argentina, com os de alegria de quem vive pela amor à bola desde a infância. A estabilidade coletiva tornou o fardo menos pesado e as grandes atuações passaram a ser a rotina do argentino. Nunca se viu Messi tão feliz como nos últimos tempos com a camisa alviceleste, ainda mais com a conquista da Copa América.
Sem o mesmo renome de Pochettino e Simeone, mas também com respeito internacional, Jorge Sampaoli foi a última escolha de peso para o comando da seleção argentina. A sua passagem por lá foi um desastre, marcada por problemas de relacionamento com jogadores, dirigentes e até membros da própria comissão técnica. Entre eles estava um ex-jogador, Lionel Scaloni.
Com passagem pela seleção argentina em seu tempo de jogador, e carreira de razoável sucesso atuando na Espanha, Itália e Inglaterra, Scaloni teve sua primeira experiência em uma equipe técnica no Sevilla, justamente com Sampaoli. Quando teve de assumir de forma temporária o comando da Argentina, ninguém apostava que duraria muito tempo: faltava-lhe nome, experiência, peso, tudo. E não foi fácil para o técnico ganhar o respeito em seu país.
Scaloni foi efetivado em parte por seu bom relacionamento com os jogadores e em parte pela falta de opções disponíveis para assumir o comando da Argentina em um momento difícil. E o interino desacreditado e efetivado acabou por se tornar no ídolo inesperado e comandante do primeiro título argentino desde 1993. Sua seleção ganhou até um apelido carinhoso de "Scaloneta".