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Formiga: a dama de Copas

Texto por João Vitor Segura
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Interminável. Desbravadora. Recordista. Campeã. Todos os quatro são adjetivos que podem coroar a carreira de Miraildes Maciel Mota, a Formiga. A brasileira que começou no futebol quando tudo era mato. E se hoje há algum desenvolvimento, é graças, também, a essa singular dama.

Nascida no dia 3 de março de 1978 em Salvador, a pequena Miraildes nunca se deu bem com bonecas. Na verdade, tinha o futebol consigo desde cedo. Arrancou a cabeça de uma das primeiras miniaturas que ganhou para transformá-la numa bola. O futebol era algo inato naquela criança, que começou a brincar nos campos de barro da Cidade Baixa da capital baiana.

O começo de Formiga não foi alegre. Sem apoio dentro de sua própria casa, apena da mãe Celeste, Miralides nunca desistiu. Aos 12 anos, com ajuda única e exclusivamente de dna Celeste, deixou o nome de batismo para trás, para adotar Formiga nos gramados.

Na verdade, o apelido foi dado, nessa época, por um torcedor que viu a menina, pequena e franzina, jogando com meninos. Era uma "formiguinha" no meio dos "marmanjos". 

O começo foi nas quadras do futsal. Mas os asfaltos de 25 por 40 metros não eram suficientes. Ela precisava de mais. Aos 15 anos, depois de passar ao futebol,  brilhou nos gramados do Estádio de Periperi, foi destaque do Campeonato Baiano e, já na sequência, foi convocada à seleção brasileira, de onde nunca mais saiu. Mas com uma pequena curiosidade: uma contusão fantasma.

"Para que eu pudesse ser vista pela CBF, a Dilma Mendes, que era jogadora e estava em transição para treinadora, simulou uma contusão. Eu tinha 15 ou 16 anos e entrei nesse campeonato, no Rio Grande do Sul. Era a mais nova e fiz a maior 'lambança' na zaga do time adversário,  metade era da seleção brasileira. Fui revelação nesse torneio e, anos depois, tive a oportunidade de ir para a seleção", disse Formiga ao Sesc.

Aos 16 anos, a meia deixou as categorias de base e já integrou a equipe profissional da seleção brasileira. Por lá, atuou mais de duas décadas, viu transformações, acompanhou revoluções. Foi importante, crucial, determinante, marcante. Foi interminável. Mostrou ao público brasileiro que o futebol feminino poderia ser uma realidade também. E fez isso acontecer.

Teve papel indispensável na transformação do que era crime em 1941 em solos brasileiros à algo que foi televisionado para mais de 70 milhões de pessoas no mundo. Mostrou às jovens meninas que o futebol era delas também. Miraildes definitivamente quebrou paradigmas. Entrou na luta que era sua e venceu. Foi desbravadora.

No esporte bretão, formiga foi rainha. Apesar de toda a idolatria sobre a Rainha Marta, Formiga veio primeiro. Surgiu primeiro. Era como se Miraildes tivesse criado Marta. Na despedida, em 2019, a camisa 10 da seleção se ajoelhou perante à companheira de tantos anos, que se despedia da Canarinho após 26 anos.

Com a camisa amarela, Formiga fez mais do que história. É, até hoje, a atleta dentre todos os praticantes de futebol que mais disputou Copas do Mundo. Deixou os concorrentes Messi, Cristiano Ronaldo, Buffon e Matthaus, com cinco edições, no chinelo. Não bastava ser seis. Tinha que ser Formiga. Tinha que ser a mais. Tinha que ser sete. Foi recordista.

Marcou época em todos os clubes que defendeu. Atuou em três continentes diferentes. Cinco países. 15 cidades. Passou por Saad, São Paulo, Portuguesa, Santos, Serra Macaense, FC Rosengard, New Jersey Wildcats, Quickstrike Lady Blues, Botucatu, FC Gold Pride, Chicago Red Stars, São José, América de Natal, São Francisco e PSG.

A lista de honrarias de Formiga é extensa. Incontável. Os títulos são grandiosos e são 22: três Jogos Pan-Americanos (2003, 2007 e 2015), cinco Copas América (1998, 2003, 2010, 2014 e 2018), três Copas do Brasil (1997, 2012 e 2013), cinco Campeonatos Paulista (1997, 2008, 2012, 2014 e 2015), três Copas Libertadores (2011, 2013 e 2014), um Mundial de Clubes (2014), uma Copa da França (2017/18) e um Campeonato Francês (2020/21).

Antes de ser recordista, Formiga é campeã. São 20 taças para o currículo de Miraildes. E honrarias mais que especiais. A baiana é a única atleta do esporte a participar de sete Olimpíadas consecutivas (1996, 2000, 2004, 2008, 2012, 2016 e 2020). Nas Copas, a quantidade é a mesma: 1995, 1999, 2003, 2007, 2011, 2015 e 2019.

Nem só de vitórias é formada a história de Miraildes dentro das quatro linhas. As pratas nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008 machucaram. Uma geração brilhante, mas que ficou no quase. Em duas oportunidades. O ouro ainda está por vir e a incumbência é das sucessoras da eterna camisa 8.

"Estou ansiosa, mais do que quando eu jogava, para ver as meninas na Copa do Mundo e terem essa oportunidade de ganhar uma medalha. Fico tranquila porque sei que a minha entrega foi total, me dediquei muito a cada campeonato. E também sei que, com todo esse esforço, consegui plantar uma sementinha para que as atletas hoje possam ter uma qualidade melhor de trabalho", pontuou Miraildes.

Guerra fora das quatro linhas

A prioridade de Formiga sempre foi outra. Antes de ser destaque no futebol, a camisa 8 brigava por justiça. Tramou uma verdadeira guerra fora das quatro linhas. Queria que ouvissem a sua voz. Queria respeito. Queria igualdade. Queria o que, por mérito, deveria ser das mulheres. Queria mais para a sua classe.

"Com a visibilidade e a evolução do futebol feminino, hoje temos voz, não podemos mais nos calar. Não podemos ser proibidas de expor nossa opinião na frente de todos, não cabe mais isso. Já ficamos caladas por muito tempo, fomos proibidas inúmeras vezes de entrar em certos assuntos", colocou Miraildes.

O foco da ex-jogadora era emprestar um pouco de sua força a quem mais precisava. Já formada e "calejada", Formiga precisava, agora, servir de exemplo. Mais do que serviu antes. Agora era hora de revelar essas grandes minúcias de toda uma vida. Aquelas que a fez ser Formiga. Essas que a fez forte. De todos os dias, não só de uma carreira de futebol.

"Antes de falar que sou lésbica, eu já sofria preconceito como mulher preta e nordestina. Evitava tocar nessa questão por causa da minha mãe, mas não tenho por que ficar me escondendo. Não estava sendo eu mesma, feliz. Então não “saí do armário”, saí pela porta da frente. Quanto mais você se esconde, é pior, você mostra para as outras pessoas a sua fraqueza", finalizou Formiga.

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