28 de agosto de 1963 é uma data marcante para a humanidade. Nesse dia, em Washington, Martin Luther King proferiu o famoso discurso "Eu Tenho um Sonho" diante de uma multidão de 250 mil pessoas. Foi nesse dia que ele imortalizou, de vez, seu nome na história como uma das grandes figuras do Movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
Nesse mesmo dia, no Brasil, um evento histórico dentro da esfera esportiva aconteceu no Rio de Janeiro. As mais de 65 mil pessoas que foram ao Maracanã presenciaram um jogo inesquecível, seja lá para qual time tenham torcido.
Semifinal de Libertadores, segundo jogo após empate por 1 a 1, Botafogo contra Santos. 10 campeões mundiais em campo. Pelé contra Garrincha... não é preciso dizer muito mais.
Botafogo e Santos, muito provavelmente os melhores times do mundo na época, haviam protagonizado, em maio de 1963, a grande final da Taça Brasil de 1962, o nome dado ao Campeonato Brasileiro na época e que teve a final no ano seguinte.
No primeiro jogo, vitória por 4 a 3 do Santos, em São Paulo. Na segunda partida, no Maracanã, 3 a 1 para o Botafogo. No confronto do título, mais um duelo num Maracanã lotado e, dessa vez, goleada por 5 a 0 para o Santos. Uma grande decepção para os torcedores alvinegros.
No confronto da Libertadores, o Botafogo estava ganhando a partida de ida, no Pacaembu, por 1 a 0 até aos 45 minutos do segundo tempo. Foi então que Pelé marcou o gol de empate e deixou o confronto aberto para a partida decisiva no Rio de Janeiro.
Vale ressaltar que Garrincha, ídolo do time carioca e melhor jogador da Copa do Mundo um ano antes, estava machucado e não jogou.
A torcida do Glorioso tinha motivos de sobra para sonhar com a vitória. O time jogava em casa depois de quase vencer o Santos em São Paulo e ainda contava com a volta aos gramados de Garrincha, depois de dois meses de inatividade.
Aquela partida poderia ser a vingança pela goleada sofrida na Taça Brasil. Poderia...
Mas o Botafogo teve um problema. Um problema com quatro letras e um número 10 nas costas. Pelé.
Aos 11 minutos, Lima lançou Pelé por trás da defesa do Botafogo, frente a frente com Manga, o Rei deu um toque por cobertura na saída do goleiro e abriu o placar para o Peixe.
Pouco depois, aos 15, nem Rildo nem Zé Carlos conseguiram parar Pelé. Em bola levantada na área por Pepe, o Rei subiu mais que todos e contou com uma saída precipitada de Manga para cabecear para o gol vazio. 2 a 0 para o Santos.
Aos 33, Pelé ganhou fácil da marcação no corpo e tentou driblar o goleiro, que não conseguiu agarrar a bola e derrubou o camisa 10, cometendo o pênalti. O próprio Rei bateu e fez o terceiro. Em pouco mais de trinta minutos, Pelé já havia marcado um hat-trick e, praticamente, decidido o confronto.
A partir do segundo gol, o Rei chegou a ser aplaudido de pé pelo público do Maracanã, em certos momentos, mesmo frustrando grande parte do público presente com a derrota do time da casa.
O Botafogo até tentou uma mudança tática e uma pressão inicial na segunda etapa, mas não teve forças para reagir e foi, novamente, dominado pelo Santos. No fim, aos 37 minutos do segundo tempo, Lima ainda marcou o quarto gol santista após bela infiltração e finalização na saída de Manga.
Fim de jogo. O Santos, de Pelé, não sentiu a pressão da decisão e passou por cima do Botafogo de Garrincha.
A imprensa da época apontou que, apesar de estar voltando de lesão e não ter o brilho de outrora, Garrincha fez um bom jogo e foi um dos poucos a se salvarem numa atuação péssima do Botafogo.
Depois de eliminar o Botafogo na semifinal, o Santos venceu o Boca Juniors, de José Sanfilippo, por 2 a 1 no Maracanã e, na volta, garantiu o bicampeonato da Libertadores após a vitória mitológica por 3 a 2 em La Bombonera.
Um dos maiores jornalistas brasileiros da história e gênio das crônicas, Armando Nogueira, deu seu contributo para o espetáculo com um belo texto no Jornal do Brasil do dia 29 de agosto de 1963.
"O Botafogo teve a ilusão, ontem de tarde, de que poderia ganhar do time do Santos neutralizando-o pelas pernas - por isso mandou comprar, poucas horas antes do jogo, meias brancas iguais às do adversário para todos os seus jogadores
Pensava, com esse recurso, que o Santos, cujos jogadores muitas vezes se guiam só pelas pernas dos companheiros para dar passes, poderia confundir-se em alguns lances
Não contou, entretanto, que lhe faltava o essencial: pernas para botar dentro das meias. De resto, o jogo foi Pelé, que justificou os dizeres da placa que lhe foi entregue antes do pontapé inicial e foi, sozinho, uma festa para os olhos do Maracanã
O Botafogo, que vive uma crise séria, ganhou com a derrota, condições para disputar o Campeonato Carioca. E um jogador ressurgiu para o público: Garrincha."
0-4 | ||
Pelé 11' 15' 33' (pen.) Lima 82' |