A antiga União Soviética deixou órfãos. Órfãos não só daqueles que partiram em combates e nunca voltaram, mas também órfãos de representatividade. Órfãos que se tornaram territórios estranhos na Ásia Central, esquecidos pela geopolítica, incipientes nos esportes onde antes foram potência sob a sigla da CCCP (URSS). O Tajiquistão é um desses órfãos, que pelo futebol tenta provar o sucesso apesar do abandono parental.
O grande ato do Tajiquistão já está consumado. Pode parecer bem pequeno, mas é ao mesmo tempo gigante para o país independente desde 1991, de menos de 10 milhões de habitantes e encrustrado entre as montanhas Fann e Pamir. O ato é a classificação inédita para a Copa da Ásia, torneio mais importante do continente, que se inicia nesta semana, e onde terá companhia dos meio-irmãos, os também órfãos Uzbequistão e Quirguistão.
O Tajiquistão é o último entre os "Istão" a conseguir se classificar para a copa continental. Entre aqueles que faziam parte da União Soviética, o Uzbequistão é quem tem mais sucesso, com oito participações e um 4º lugar em 2011; o Quirguistão teve sua primeira vez em 2019 e está de volta neste ano; o Turcomenistão, ausente desta edição, estreou em 2004; enquanto o Cazaquistão não vai para a conta, porque já há 20 anos se filiou à Uefa, em um movimento de aproximação com a Europa, e perdeu essa possibilidade.
O "Istão", caso esteja se perguntando, é um sufixo comum na região, também utilizado por quem nunca fez parte da União Soviética, como Afeganistão ou Paquistão, que quer dizer "terra de". Ou seja, no caso do Tajiquistão, é o território dos Tajiques, língua oficial do país e que também serve para identificar etnicamente aquele povo.
Na Ásia, os tajiques são mais conhecidos a nível esportivo pela luta do que propriamente pelo futebol. O Gushtigiri é o esporte nacional por lá, uma luta na qual o objetivo é derrubar as costas do adversário no chão. Mas o Gushtigiri não é capaz de entregar algo que só o futebol é, ainda que aficcionados por outros esporte torçam o nariz com essa afirmação.
"Nós sabemos que é uma grande responsabilidade, mas estamos preparados para fazer o melhor possível para representar nosso país com dignidade", declarou há alguns meses Petr Segrt, técnico do Tajiquistão, que sequer é tajique, é croata, mas sabe do tamanho da história que vem escrevendo com seu trabalho.
É na Copa da Ásia que o Tajiquistão será representado pela primeira vez num grande torneio em um esporte coletivo. Nem nas Olimpíadas, onde já ganhou suas medalhas em esportes individuais como atletismo e lutas diversas. É na Copa da Ásia que os tajiques se apresentarão como azarões, mas podem dar cara a um país jovem, culturalmente fechado, assolado por uma Guerra Civil na década de 90 e um dos mais pobres do continente. Nesses casos, o resultado esportivo às vezes nem conta. O importante é ser representado.