A demissão de Renato Paiva do Botafogo e o sempre citado "Botafogo Way" de John Textor colocam na mesa o antigo debate sobre modelo de jogo. Afinal, uma equipe sempre deve jogar da mesma forma, seguindo um mesmo modelo de jogo, independente do adversário?
Textor chegou ao Botafogo com a promessa de modernidade. De expertise de um grupo que usa a análise de desempenho com grande foco na análise quantitativa. Um pouco do Money Ball tão praticado na América do Norte, com adaptações necessárias (mas nem sempre suficientes) para o contexto do futebol.
Na vertente individual da análise de desempenho botafoguense, o departamento de scouting trouxe ao clube nomes que passaram despercebidos pelo radar dos rivais brasileiros. O que falar do sucesso de Igor Jesus? Da valorização, em poucos meses, de Jair? Da evolução de Cuiabano... O scouting não é sempre assertivo, mas o departamento botafoguense tem muitos cases de sucesso.
Passando para a análise coletiva da equipe, Textor trouxe processos para o desenvolvimento do Botafogo Way. Ele explicou isso quando chegou e a principal ideia era manter um modelo de jogo único no clube, da base ao profissional.
"Quero que fique claro daqui a três ou cinco anos que existe um estilo Botafogo. Quero que as pessoas nos vejam jogar da base até o profissional e reconheçam o que nós estamos tentando fazer", explicou Textor em entrevista em 2022.
O River Plate, de Marcelo Gallardo, é o grande exemplo disso na América do Sul. O técnico recebeu carta branca para implementar seu modelo de jogo e as diretrizes, da plataforma tática aos comportamentos dos jogadores em campo nos momentos com e sem bola, foram absorvidas por todas as categorias dos Millionarios. Algo que acontecera anos antes no Barcelona, de La Masia ao Camp Nou.
No contexto competitivo de La Liga, o Barcelona, de Pep Guardiola, anos atrás, conseguia jogar da mesma forma quase todo o jogo. Lapidava o jogo posicional que ganhava espaço no mundo e controlava adversários em sua maioria bem menos poderosos (o Real Madrid era o único que conseguia fazer frente, e mesmo assim vez ou outra).
O tempo passou, Pep Guardiola levou o jogo posicional consigo para Alemanha e Inglaterra, e diversos outros treinadores replicaram modelos de jogo com princípios similares. As premissas continuaram as mesmas, embora o contexto tenha mudado um pouco.
O Botafogo Way de Textor, segundo a idealização do empresário, nada mais é do que uma réplica dos conceitos que mais vêm ganhando destaque no futebol nesta década: intensidade, agressividade sem a bola, verticalidade com a bola nos pés, e um jogo propositivo.
Só que as dinâmicas espaço-temporais mudaram brutalmente com o passar dos anos. O futebol não se tornou apenas mais competitivo, como também mais tático. Todo mundo vê sua equipe jogar, analisa ao pormenor, e procura saídas para podar seus pontos fortes, assim como atuar em cima dos pontos fracos.
Ao longo de uma temporada, cada jogo é planejado de maneira diferente. Por mais que a ideia seja a equipe sempre ter como prioridade a potencialização de seus pontos fortes através de uma plataforma tática pré-definida, tudo depende do contexto competitivo, do adversário, dos jogadores que seu time têm disponíveis e até dos atletas rivais.
Vamos lembrar: do outro lado, existe um adversário. Que estudou ao pormenor seu time, e vai fazer de tudo para anular seus pontos fortes. E vice-versa. Cada partida é uma história diferente, e dentro de cada história, são vários os capítulos.
O jogo de futebol é dividido em fases, e a cada fase seu time tem de responder de uma maneira. Ele pode ser condicionado pelo adversário a ter respostas atípicas, não previstas dentro de seu plano de jogo, e aí os jogadores, no campo, por mais que tenham mecanismos táticos para tomar decisões, terão de se virar por conta própria.
Um time pode ter, por exemplo, como modelo de jogo, ou característica, uma abordagem mais pragmática, com linhas médias e baixas na fase defensiva e aposta em ligações diretas e ataques rápidos na transição ofensiva. Mas e se o adversário lhe der a bola e atuar mais recuado? E se o adversário te condicionar a outra forma de jogo?
Paiva adotou uma estratégia pragmática contra o Paris Saint-Germain, longe do Botafogo Way. Venceu, e Textor celebrou em campo como se fosse um título. A estratégia foi a mesma nos duelos seguintes, contra Atlético de Madrid e Palmeiras. Ambos, derrota por 1 a 0. A segunda culminou em eliminação nas oitavas em um torneio que a previsão era a queda na fase de grupos.
O jogo reativo contra o Palmeiras custou o emprego de Paiva. Ou foi o resultado? E se o Botafogo não leva o gol de Paulinho e avança nos pênaltis, a decisão seria a mesma? Textor sentiria falta do Botafogo Way, como não sentiu contra o PSG?
Não há dúvidas sobre a diferença qualitativa se compararmos os confrontos. O PSG tem mais time, elenco, investimento e qualidade que o Palmeiras. Mas será que foi a performance, ou o resultado, que condicionaram a demissão de Paiva? John Textor traz novos ares, ou velhos hábitos, ao futebol brasileiro? É um dirigente à moda antiga, com sotaque diferente, ou um visionário que mudou para sempre os rumos do Botafogo?