O Barcelona, de Hansi Flick, tem uma média de um gol a cada 27 minutos. São 50 na temporada, em 15 jogos. 13 vitórias, liderança de La Liga, e um sucesso muito além do que os números podem projetar. Sucesso de uma equipe que se adapta a novas tendências para deixar malucas as defesas. Como deixou a do Real Madrid em El Clásico. Mas de onde vem tal sucesso?
Longe de querer criar narrativas, vamos analisar com mais profundidade como essa equipe joga para entender (ou tentar) o que a torna diferente. O que faz os adversários ficarem perdidos em campo. E os torcedores levantarem nas arquibancadas para aplaudir.
Flick, sem ser revolucionário, mas apenas um mensageiro da revolução, segue a tendência de buscar superioridade numérica pelo corredor central. Lembra quando falava-se, sempre, para "abrir o jogo", para "jogar pelas pontas"? Pois, jogou-se tanto pelas pontas que as defesas já se adaptaram a isso. Como sempre fizeram ao longo da história do futebol. E exigiram uma nova resposta dos ataques.
A saída, para muitos técnicos, foi uma formação ofensiva em uma espécie de 3-2-5, ou 3-2-2-3. Foi assim que a Espanha foi sensação na Euro, é assim que Pep Guardiola reinventou o Manchester City, e também assim Dorival Júnior tenta reencontrar o bom futebol da seleção brasileira. Aliás, uma boa comparação. De conceito, veja, não futebol. De ideias e planos de jogo, talvez nem tanto de modelo de jogo.
Lembra a vitória da seleção brasileira em Santiago? Dorival começou, ali, a esboçar uma fase ofensiva em 3-2-5, com Danilo jogando por dentro, na linha dos zagueiros, dois meias, Raphinha e Rodrygo por trás de Igor Jesus, e Abner dando amplitude na canhota e Savinho na direita.
O "esqueleto" do Barça de Flick é o mesmo: 3-2-5 da seguinte forma: Koundé com Cubarsí e Iñigo na linha de três; Pedri e Casadó de meias; Raphinha e Olmo ou Fermín atrás de Lewa e Baldé e Yamal nos flancos. A dinâmica, porém, é diferente.
O desenho do Barça começa em um 4-3-3, funciona assim na fase defensiva, também. Mas a partir do momento que a equipe busca avançar com a bola, o 3-2-5 fica claro. Para muitos, isso faz dessa equipe uma espécie de "releitura" do Barça de Pep Guardiola. E conceitualmente, até faz muito sentido.
Lembra quando Pep "criou" o falso 9 com Lionel Messi? O princípio era confundir a defesa inimiga, recuando Messi para "atrair" um dos zagueiros e deixar espaço para Eto´o e Henry atacarem. Só que agora, com sistemas defensivos muito adaptados a essa ideia, é preciso mais que isso.
Flick, então, coloca dois jogadores a mais por dentro, na chamada zona 14 do campo, a zona central próxima da área, considerada a mais perigosa e a que mais as defesas buscam defender, o conhecido funil. Raphinha e Olmo ou Fermín (e Ferrán) conseguem gerar esse espaço junto com Lewa, e principalmente para Lewa.
A leitura desse trio, que bagunça a defesa com movimentos de ruptura e infiltração, é complementada pela capacidade de passes que quebram as linhas de Marc Casadó e Pedri. Casadó se tornou um dos protagonistas desse time justamente pela capacidade de passes decisivos no último terço. Apesar de ser um meia mais "posicional", que avança menos no último terço, atua decisivamente lendo a movimentação dos companheiros e fazendo o passe no momento certo, seja para enfiar uma bola em uma infiltração de um companheiro, ou mesmo para dar um passe entrelinhas para quebrar a defesa.
A formação reinventou Raphinha, que deixou de ser apenas um ponta para se tornar protagonista por dentro, referência técnica com capacidade de desequilíbrio através de passes e gols. Dani Olmo, com boa leitura da estratégia pela similaridade na seleção espanhola, também se aproveita da fluidez do esquema e vive temporada artilheira.
Os adversários do Barcelona ainda tentam achar a saída para essa estratégia. Como os do City na Premier League. No dérbi catalão, o Espanyol tentou uma alternativa com um 4-1-4-1: lançou um volante atrás da linha de meias para marcar Olmo e Raphinha mais de perto. Mas levou bola nas costas em momento de descoordenação com a defesa e o time levou um baile no primeiro tempo. O grande rival, Real Madrid, foi presa fácil: o 4-4-2 de Ancelotti ocupou bem os corredores laterais, mas a superioridade numérica era no meio...
E quando, por acaso, com linhas mais afundadas, o rival consegue povoar melhor o meio e dar menos espaço, Koundé, o "falso lateral", tem espaço para progressões com e sem bola. Avança quase na linha de Casadó e Pedri, e volta gerar superioridade numérica no setor. Uma alternativa já vista em algumas partidas contra rivais mais bem fechados.
Enquanto as defesas ainda se adaptam, e elas vão se adaptar um dia, o Barça sobra em La Liga. Nesta semana, terá pela frente a fanática torcida do Estrela Vermelha, para buscar a terceira vitória em quatro jogos na Champions. Ainda não vimos nem um terço da temporada, mas do que vimos, esse recorte de Flick é de se bater palmas.