Nos últimos dez anos, a briga pela artilharia do Campeonato Espanhol foi um duelo particular entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Apenas em 2015/16, nem o português, nem o argentino, lideraram a estatística. Luis Suárez foi o intruso.
Porém, antes de CR7 desembarcar na capital espanhola, para a temporada 2009/10, e de La Pulga se consolidar como um dos melhores de todos os tempos, um espanhol conseguiu o posto de goleador máximo de La Liga.
Engana-se quem pensa que o último a atingir tal marca foi Raúl, Fernando Torres, David Villa ou até mesmo o brasileiro naturalizado espanhol, Diego Costa. O nome em questão é o de Dani Guiza. Sim, um atacante desconhecido por grande parte do futebol mundial, mas que teve em 2007/08 o melhor ano de sua carreira.
Na corrida pelo prêmio Pichichi (entregue pelo jornal Marca), Dani Guiza marcou 27 gols com as cores do Mallorca e deixou para trás atacantes como Luís Fabiano, vice-artilheiro do espanhol com 24, Sergio Aguero (19), Raúl (18), David Villa (18), Ruud van Nistelrooy (16), Diego Forlán (16) e Samuel Eto'o (16). Uma curiosidade: nenhum gol do artilheiro foi marcado de pênalti.
O jogador começou a carreira no Xerez, clube de Jerez de La Frontera, sua cidade natal e atuou nas equipes B do Mallorca e Barcelona. O atacante teve quatro boas temporadas, duas defendendo o Ciudad Murcia e outras duas com a camisa do Getafe.
O jornalista Steve Ramos, do site ceroacero.es, que cobre o futebol espanhol, reconhece o talento do atacante. Porém, ele destacou que o maior adversário de Dani Guiza foi o próprio artilheiro, que não conseguia resistir às tentações da vida noturna e acumulou indisciplinas ao longo de toda a carreira.
''Dani Guiza foi um jogador muito talentoso e carismático e desde cedo mostrou enorme potencial. No entanto, sua carreira ficou marcada pelo extra-campo. Ele foi um amante da vida noturna e faltou a vários treinos por isso. A sua contratação era um risco para os clubes. Ele colecionou episódios bizarros envolvendo muito álcool, no entanto, foi sempre um jogador bastante popular. A artilharia de La Liga e a Euro com a seleção foram os maiores feitos de uma carreira que, certamente, poderia ter sido diferente'' - analisou Ramos.
O jornalista Ricardo Lestre, também do ceroacero.es, reforça a dificuldade de Dani Guiza em conciliar a vida pessoal com a profissional, embora tenha sido destacado como um atleta talentoso.
''No Ciudad de Murcia, ele teve um bom momento e foi apresentado como ''maior talento e maior festeiro da Espanha''. Depois, já no Getafe, dizem que ele melhorou muito porque se juntou com Núria Bermúdez, suas companheira e agente. Ela, por sinal, é uma personagem controversa na Espanha'' - disse Lestre.
Núria Bermúdez era atriz, modelo e figura presente nos veículos de fofoca, sempre apontada como namorada de alguns jogadores de futebol. Mas foi a partir de seu relacionamento com Dani Guiza, que o jogador mudou de comportamento, sendo mais responsável e recebendo elogios do técnico do Getafe na temporada 2006/07, o alemão Bernd Schuster.
''Desde que Dani está com o Nuria, ele voltou a treinar e não parece que dormiu embaixo de uma ponte" - disse o treinador alemão à época.
Após uma boa temporada no clube de Madrid, onde obteve uma boa média de gols, marcando 17 em 35 partidas, o atacante foi contratado pelo Mallorca, por cinco milhões de euros. De volta ao clube, desta vez para a equipe principal, viveu o auge da carreira e passou a ser convocado pela seleção, pela qual entrou em campo 21 vezes, marcou seis gols e conquistou a Eurocopa de 2008. Para Ricardo Lestre, um grande responsável pelo sucesso do atacante foi o treinador Gregorio Manzano.
''Dani Guiza explodiu no Mallorca, com o treinador Gregorio Manzano, muito famoso pelos seus conhecimentos de psicologia, que foram importantes para o atacante. Não acho que ele foi um ''jogador de apenas uma temporada'', mas precisava ser monitorado, porque se perdia com facilidade'' - analisou Lestre
O sucesso em Mallorca colocou o jogador no centro das especulações durante o verão de 2008. Barcelona, Arsenal, Valencia, Milan, Internazionale, Roma, foram alguns dos supostos interessados. Porém, o destino do artilheiro não foi nenhum desses da lista. Dani Guiza acertou com o Fenerbahçe por 14 milhões de euros, e, segundo Ricardo Lestre, tornou-se ''a maior contratação da história do futebol turco na época''. Entretanto, o atacante fez alguns gols, mas não correspondeu à toda expectativa.
Depois de breve passagem pelo futebol da Malásia, topou o projeto do Cerro Porteño. No clube sul-americano, foi campeão do Clausura 2013. Após a experiência no Paraguai, Dani Guiza voltou a estampar as capas dos jornais, mas não pelos seus feitos dentro das quatro linhas e sim, pelo seu passado.
No início de sua trajetória profissional, o atacante afirmou que jamais defenderia o Cádiz, maior rival do Xerez, seu clube formador, e, quando jogava pelo Ciudad Murcia, disse que faria de tudo para que o time amarelo não conseguisse o acesso. Entretanto, em 2015, Dani Guiza assinou contrato justamente com o Cádiz e foi recebido no aeroporto por torcedores pedindo a sua morte. Dentro de campo, a passagem do artilheiro pela equipe foi boa, ajudando na subida da terceira para a segunda divisão nacional.
Há três temporadas, Dani Guiza, atualmente com 39 anos, veste a camisa do Atlético Sanluqueño, time da terceirona espanhola. O atacante tem números modestos: nove gols em 66 partidas. Pouco para quem um dia foi o maior artilheiro do país e é, até hoje, o único jogador do Mallorca a ter atingido tal marca.
Aquela temporada teve o Real Madrid campeão e um surpreendente Villarreal vice, à frente do Barcelona, que terminou em terceiro. O Racing Santander, hoje lanterna da segunda divisão, ficou em sexto e conseguiu uma vaga para a Copa da UEFA, atual Liga Europa, uma posição acima do Mallorca, equipe de Dani Guiza.
O Mallorca marcou 69 gols na La Liga, sendo o quarto melhor ataque da competição. Os maiores responsáveis por isso foram o próprio Dani Guiza, o venezuelano Juan Arango e o argentino Ariel Ibagaza, que balançaram redes 47 vezes somados. Ibagaza foi o segundo maior garçom, com 15 assistências, duas atrás de Guti, do Real Madrid, enquanto Arango deu nove passes para gol. O meio-campo ainda contava com Borja Valero, peça importante nos desarmes e construção de jogadas.
O time comandado por Gregorio Manzano fez partidas históricas na temporada. Na quinta e sétima rodadas, contra Valladolid e Getafe, ambas em casa, o Mallorca saiu perdendo por 2 a 0, mas conseguiu reações impressionantes, vencendo os duelos por 4 a 2. No décimo segundo compromisso, uma visita ao Santiago Bernabéu. Em uma partida animada, os visitantes até chegaram a ficar na frente do placar, com 3 a 2, mas o resultado final foi a vitória dos donos da casa por 4 a 3. Nada que tirasse o mérito de Guiza e companhia.
Ao longo da competição, uma vitória no Ramón Sánchez Pizjuán, por 2 a 1, contra o Sevilla, que vinha do segundo título de Copa UEFA, e um 3 a 0, também fora de casa, diante do Valencia. Mas outros dois triunfos tiveram maior impacto. Vigésima sétima rodada, o Mallorca recebeu o Recreativo Huelva e o hat-trick de Arango, os dois gols de Dani Guiza e mais dois de Fernando Varela confirmaram a arrasadora goleada de 7 a 1. Porém, o melhor ainda estava por vir.
Penúltimo jogo de La Liga. O Mallorca foi até o Camp Nou e aos 17 minutos do primeiro tempo, Thierry Henry abriu o placar para o Barcelona. Aos onze da segunda etapa, Samuel Eto'o ampliou. Entretanto, aos 22, Borja Valero diminuiu. Três minutos depois, Pierre Webó deixou tudo igual. No último minuto, o artilheiro, Dani Guiza, deixou a sua marca e decretou uma virada incrível na Catalunha.
Pela Copa do Rei, o Mallorca parou nas quartas de final, ao ser eliminado pelo Getafe, mas antes disso, tirou o Real Madrid da competição na fase anterior. No confronto de ida das oitavas, vitória em casa por 2 a 1. Na volta, os Merengues precisavam do triunfo simples para avançar. Porém, foram os Barralets que deixaram a capital com os três pontos, após o 1 a 0, e a vaga nas mãos.