Frio, fanatismo, os homens de saia e a violência: as histórias do técnico Fernando Sales

Indonésia, Laos, Mianmar, Polônia, Tailândia, China... Os países citados não são tão conhecidos pelas grandes ligas do futebol, nem mesmo a China (e alguns pouco ou nada muitos de nós conhecemos algo sobre). Mas eles fizeram parte da carreira de Fernando Sales, um treinador mineiro que se aventurou pelo mundo. 

Fernando, é verdade, nunca teve medo de desafios. Aos 24 anos, resolveu abandonar a carreira de jogador no América de Morrinhos, em Goiás, para trabalhar na preparação física no Villa Nova, de Nova Lima, Minas Gerais. "Decidi que já não era o que queria (ser jogador). Já tinha a ambição de ser um técnico de futebol". 

No interior de Minas Gerais, Fernando procurava trabalhos. O técnico lembra que "vivia nas Lan Houses enviando currículos para todos os times do mundo". Até que, enfim, surgiu uma oportunidade. Mas Fernando "caiu no conto"... 

"Um certo dia, alguém da cidade de Huelva, na Espanha, me respondeu dizendo que eu poderia ir. Consegui as passagens e fui. Chegando lá, não tinha nada (risos). Por muita sorte, consegui um trabalho no CD Canillas, onde os filhos dos atletas do Real Madrid jogam", contou, em conversa com a reportagem de oGol. 

O brasileiro trabalhou com Jordi Vilda, atual técnico da seleção espanhola feminina. "Em termos de jogadores, nesse time estavam na época os filhos do Zidane (Enzo, Luca) filho do Ronaldo fenômeno (Ronald), primo do Diarra, dentre muitos outros que hoje estão jogando". 

O frio e Laos

O próximo desafio de Fernando foi a Polônia. No país, o brasileiro conseguiu tirar a licença da Uefa para dirigir equipes na Europa. Trabalhou no LKS Orzel e aprendeu, como exigência da Uefa, o polonês, uma das cinco línguas faladas pelo técnico. O frio não incomodou o brasileiro. 

"O frio foi o que menos me incomodou. Digo para todos que, ao sair do Brasil, a primeira coisa a se fazer é esquecer do clima, da língua, dos costumes, pois temos de adaptar ao novo", comentou. 

"Mas não recomendo a ninguém falar a palavra Kurwa", brincou. Kurwa, segundo o técnico, é um xingamento forte no país. Já falando o polonês e com trabalho consolidado, Fernando ouviu de um amigo brasileiro a oportunidade de trabalhar no futebol asiático. 

O destino do brasileiro foi ainda mais inusitado: Laos. Sim, Laos é um país do sudeste asiático, que conta com 6,5 milhões de habitantes. O  Lanexang United foi o destino do brasileiro, que pensou em voltar para a Europa no início. 

"Era tudo diferente. A comida... O asiático sem arroz não é asiático. E eles comem insetos (escorpião, larva, entre outros). Mas também se nota o respeito pelos mais velhos e o povo é acolhedor", recorda. 

Fernando garante que nunca o faltou nada no país em termos de estrutura. "O dono do clube era dono de tudo no país. Tudo o que pedia, ele só mandava encomendar na Tailândia e chegava", brinca. 

Onde faltava até a bola para jogar

De Laos, Fernando foi se aventurar em Mianmar. No Manaw Myay, o técnico teve a primeira experiência como comandante principal. Se em Laos o brasileiro tinha tudo o que queria, em Mianmar não foi assim. 

"Às vezes faltava bola para os treinos. Quando chovia, a gente treinava no cimento do Estádio Nacional. Não tinha academia. A gente tinha que fazer o trabalho sem pesos, sem máquinas. Mas tudo isso valeu para me ensinar a trabalhar no muito e no pouco". 

No pouco, Fernando acabou levando o Manaw de volta para a primeira divisão local com o título da segunda. Foi uma das passagens mais marcantes da carreira do treinador, que seguia conhecendo as especificidades de uma nova cultura. 

"Eles comem uma coisa vermelha, que era tabaco, e ficam cuspindo aquilo o dia inteiro. Pintam a cara com uma maquiagem branca e os homens usam uma espécie de lençol que no final vira uma saia". 

Se viu homens de saia em Mianmar, Fernando viu os elefantes nas ruas da Tailândia. "Você se depara com um cidadão dirigindo um Maserati e aí vem logo à frente um cara montado no elefante (risos)", brincou. 

Na Tailândia, Fernando trabalhou primeiro no Yasothon FC e depois no Kasetsart, evitando o rebaixamento do segundo time. No meio das duas passagens, o técnico foi trabalhar no Persijap Jepara, da Indonésia. A passagem durou pouco tempo. 

"Começamos bem a liga, vencendo quatro de quatro jogos. Mas os salários começaram a atrasar, o presidente sempre prometendo e não cumprindo... Resultado: os atletas perderam a motivação. Já não queriam nada com nada, então resolvi sair".

No país, Fernando se impressionou com o fanatismo dos torcedores locais. O brasileiro chegou a ficar trancado no estádio por duas horas até conseguir sair. "A briga era com nosso próprio torcedor. País totalmente fanático. A polícia teve de usar força maior para conseguirmos sair (risos)". 

A formação na China

Atualmente, Fernando Sales trabalha com a formação de atletas na China, em um projeto em parceria com a Nike. "O sonho do presidente da China é fazer da China campeã mundial", explicou. Para ser campeã, a China precisa de atletas de alta performance... O brasileiro trabalha com o futuro do futebol chinês. 

"Tudo começa na base. Você não pode esperar que jogadores que não tiveram base possam acompanhar o raciocínio de um Hulk, Ramires, Elkeson, Oscar, dos treinadores estrangeiros com ideias avançadas", comenta. 

Fernando analisa que os jogos da Superliga Chinesa têm emoção, mas pecam nos detalhes. "Você pode esperar que erros infantis vão ocorrer. Jogos com espaços entre linhas, com transições lentas ou desorganizadas...". 

Fernando almeja trabalhar em uma equipe profissional do país, mas sonha mostrar seu valor no Brasil. "Quero mostrar tudo que aprendi nos anos de Europa e futebol asiático". Já são mais de dez anos de estrada pelos cantos mais longíquos do mundo. A hora de voltar para a casa não deve estar longe...