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    A bola no meio de muita areia

    Bonamigo: os causos e a evolução do futebol no 'mundo árabe'

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    Entre uma tempestade de areia e um prédio luxuoso, um camelo e um palácio, o futebol. Futebol em evolução, diga-se. Mas, há não tantos anos assim atrás, a coisa pouco andava. Treinar um time nos Emirados Árabes era chegar a um treinamento de manhã cedo e ter menos de um time disponível. "Onde estão meus jogadores", pergunta o técnico. "Trabalhando". Ué... Foi assim o começo do experiente técnico Paulo Bonamigo no futebol árabe. 

    "Eu fui trabalhar em um clube, o A Jazira, que é um clube que, em termos de estrutura, é fantástico. O Abel trabalhou lá também e foi campeão. O dono do Manchester City é o dono desse time. Aí fui dar um treino de manhã e, quando vi, tinham oito caras para trabalhar. Ninguém deu justificativas", contou o técnico, em conversa com a reportagem de oGol

    Foram sete temporadas de Paulo Bonamigo nos Emirados Árabes, além de uma na Arábia Saudita. O técnico lembra que, quando chegou, o futebol por lá era semi-profissional. Muitas vezes, o brasileiro acabava esbarrando fora de campo com um atleta seu em outro serviço. 

    "Eles jogavam no clube, mas tinham outro emprego. Tipo na alfândega, ou na polícia, ou cuidavam de passaporte na entrada de turista... O cara que carimbou meu passaporte uma vez falou: ´how are you, coach? (como vai você em inglês)´. E eu ficava: 'Quem é você?'. 'Ah, fui seu jogador, o Mohamed'". E tem vários Mohamed, a maioria é Mohamed, e muitos parentes (risos)", brincou. 

    Aos poucos, o profissionalismo foi chegando. Bonamigo conta que a melhora do futebol na região passou por uma melhora no calendário, ajustando as tabelas para que o período do maior calor não conciliasse com muitos jogos. 

    "A gente começou a reivindicar não jogar em agosto. Porque agosto é muito úmido. Tem treinador que desmaia, jogador que desmaia em campo. É pior que jogar em Bangu em janeiro. E na sombra ainda, um bafo danado. Naqueles 45 de Bangu. O espetáculo, que era para ter 90 minutos, acabava com 20 minutos a mais. Muita gente passava mal, era a maca entrando em campo toda hora", conta. 

    Rezas no vestiário e os poderosos xeques

    Treinar um clube no futebol árabe passa, também, por compreender as especificidades da cultura local. E a influência da religião é enorme. Tanto que Bonamigo e outros treinadores tiveram que achar um modo de se adaptar as rezas, que aconteciam algumas vezes no vestiário. 

    "Tinha jogo que, no intervalo, pessoal ficava rezando por dez minutos. Pegava o intervalo bem na hora da reza, eles ficavam deitados e só dava para falar com os estrangeiros. Eles são fiéis, rezam no vestiário, aeroporto, em qualquer lugar eles puxam o tapete deles para rezar. Então agora já há um tempo maior de intervalo quando tem reza". 

    Além de procurar alternativas para se adaptar ao clima e a cultura da região, algumas mudanças em campo também ajudaram na melhora do esporte por lá. O investimento nas categorias de base e a adaptação as regras de contratação de jogadores estrangeiros serviram para os locais crescerem. 

    "A seleção era boa de laterais, meias e zagueiro, mas goleiro e centroavante era uma dificuldade muito grande. Goleiros não conseguiam se formar, porque era tudo muito baixo. E centroavante, o que acontece: os times buscavam jogadores consagrados. Os locais não jogavam e a seleção dos Emirados sofria com isso. Mas essas situações foram se ajustando", comenta. 

    Especificamente na Arábia Saudita, o número de estrangeiros gera, até hoje, problema. Bonamigo conta que alguns jogadores do país não aceitam perder espaço no time para quem vem de fora. 

    "Meu último ano como técnico foi na Arábia Saudita. Eu tive que limpar cinco jogadores para tomar atitude porque era uma 'porradaria' direto. Eles não aceitavam os estrangeiros, não aceitavam ficar no banco. Os caras ficavam p... no banco. Eles contratam muito africanos e brasileiros. Eu, para manter o equilíbrio do grupo, tive que mandar os 'bicudos' embora para trabalhar com quem tem aptidão para trabalhar em equipe", revelou. 

    Outro ponto importante ao se falar do país é sobre a interferência dos chamados xeques. O técnico brasileiro fugia quando recebia recados dos "chefões" da região, que querem o controle até da escalação dos times. 

    "Na Arábia Saudita,  o clube tem um presidente, mas o cara que manda é o xeque. O xeque de Jeddah, de Jihad... Eles têm olhos lá dentro. Chega no dia de jogo, o tradutor vem para ti: 'Paulo, tem recado...'. E é um dia que estou me concentrando. Eu falo: 'Não, não, não! Não me vem mandar recado'. Aí liga até o teu agente, porque eles ligam para o teu agente quando não conseguem sucesso com o tradutor. Como aconteceu com o Valentim agora (Alberto, que deixou o Pyramids, do Egito, após se recusar a não escalar Ribamar). Ele não quer que fulano jogue. Ou tem problemas de família... Eles mandam embora mesmo. Isso na Arábia Saudita, que normalmente é o árabe mais conservador. Nos Emirados são mais polidos, são formados na Inglaterra, são mais mente aberta". 

    Hoje, porém, apesar de a influência dessas figuras ainda permanecer, Bonamigo vê evolução no futebol da região, principalmente nos Emirados Árabes. Na última Copa Asiática, inclusive, o país chegou nas semifinais, com o campeão sendo os vizinhos do Catar (a Arábia Saudita caiu nas oitavas, para o Japão). 

    "Hoje, os caras não têm mais medo de jogar (os árabes contra as seleções mais fortes). Eles foram campeões da Golfo (Emirados, em 2013) e começaram a respeitar. Antigamente, o Al Hilal, da Arábia Saudita, fazia 5 a 0 no Jazira, Al Ain. O Al Ain hoje você vê decidindo com o Real Madrid (no Mundial de Clubes). Você vê o crescimento", analisou.

    Comentários

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    motivo:
    bonamigo
    2019-02-11 16h44m por Farofa
    interessante essas historias em uma cultura totalmente diferente da nossa.
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