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    A epopeia acreana no futebol

    Sonho de faculdade supera geografia para colocar Acre no mapa do futebol brasileiro

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    O Atlético Acreano vai liderando o grupo A da Série C do Campeonato Brasileiro. Os acreanos vão superando, sob a batuta de Álvaro Miguéis, todos os desafios financeiros e geográficos para viver uma epopeia que vai colocando o Acre no mapa do futebol brasileiro. O que não é fácil. 

    Incorporado ao território brasileiro só em 1903, após acordo diplomático com a Bolívia, e elevado à condição de Estado em 1962, o Acre é o Estado brasileiro mais próximo ao Oceano Pacífico. Sendo o Brasil um país com dimensões continentais, sair do Acre para ir para qualquer região do país é uma missão complicada. 

    Ainda mais falando na geografia do futebol, onde os times do Sudeste e do Sul dominam, e os times do Nordeste têm mais força que o Norte. Mas, representando o futebol nortista, o Atlético Acreano vai fazendo bonito: lidera a Série C do Campeonato Brasileiro, como já dito. 

    A reportagem de oGol conversou com um dos responsáveis diretos pela grande campanha, o já citado treinador Álvaro Miguéis. E colocar o Acre no mapa do futebol nacional é um sonho de Miguéis desde a faculdade. 

    Formado em Educação Física na Universidade Federal do Acre, Álvaro trabalhou com os jovens do Atlético Acreano até, em 2012, dirigir a equipe profissional. Ali, começaria a base do projeto de dar visibilidade ao clube. 

    "Iniciamos esse trabalho na base muitos anos atrás com a maioria desses jogadores (que hoje estão no elenco). Em 2012 jogamos a primeira vez no profissional e fomos vice-campeões (acreanos), o que nos deu o direito de jogarmos a Série D. Foi a primeira vez que disputamos. Liderávamos a chave quando eu saí. Fiquei afastado do futebol até que voltei em 2016.  Fomos campeões acreanos, voltamos a jogar Série D e, agora, a Série C em 2018", conta, em conversa por telefone. 

    A trajetória do Galo Carijó no cenário nacional foi evoluindo aos poucos, e sempre que dava um passo a frente, era com Miguéis. Em 2016 o time caiu nas quartas da Série D, portanto ficando a um jogo do acesso. Mas a situação financeira do clube era delicada, e ainda o é até hoje.

    "O momento mais complicado foi em 2016, quando não tínhamos nada. Para pagar a folha de pagamento foi dinheiro do bolso do Elison Azevedo, presidente, do diretor financeiro (Francisco Geison Lopes de Morais), e do meu bolso. O clube não tinha nada, não tinha dinheiro em caixa, e nosso poder de convencimento de juntar nossos jogadores que jogavam comigo há anos para ganhar o Campeonato Acreano e jogar na Série D. Pensávamos que teríamos uma cota da CBF que nos daria condições de trabalhar, e, na verdade, não há. O que são bancadas são as viagens, translados... Mas falta campo para treinar. Quando o diretor do Atlético Mineiro esteve lá comigo, para jogar a Copa do Brasil, ele olhou e só faltou chorar. Ele disse: 'Como você consegue fazer o time jogar tanto futebol treinando aqui?'. 

    No ano seguinte, 2017, o passo final: após o título acreano sobre o tradicional Rio Branco, o Atlético alcançou o acesso na Série D do Brasileiro. Mas o caminho não foi fácil: o técnico lembra que o time chegou a viajar 22 horas para jogar. 

    "É muito difícil, devido a nossa localização. Onde quer que joguemos, temos de ir para Brasília e, de lá, apanhar (voo) para o destino final. Às vezes pegar voo para Manaus, depois para uma capital do Nordeste, depois para outra, depois pegar ônibus... Isso desgasta demais a equipe. A gente sai daqui de madrugada sábado para jogar no domingo, sem dormir... Você se desgasta muito", contou. 

    "Você fica horas no aeroporto esperando, horas no avião... E você viaja um dia antes. O jogador é acostumado a dormir meia-noite e, quando é 1h da manhã, já tem que estar no aeroporto para pegar o voo das 3h. E você vai jogar no outro dia. Isso desgasta muito", completou. 

    Na semifinal da Série D, o Atlético, já com o acesso garantido, foi até Ponta Grossa, no Paraná, do outro lado do país, para pegar o Operário Ferroviário. Miguéis lembra o desgaste da equipe na altura. 

    "Lá, quando nós chegamos, realmente, nosso time estava muito desgastado. Porque quanto mais viagens você vai acumulando, você vai se desgastando mais e os jogadores vão ficando mais cansados. Acabamos perdendo o jogo na casa deles, mas, graças a Deus, fizemos uma grande campanha e coroamos o acesso", explicou. 

    Agora, na Série C, o Galo Carijó vai mantendo bom desempenho. O time mostra força em casa, se mantendo invicto, após sete vitórias e um empate. Mas, fora, o desgaste seguiu atrapalhando, dessa vez amplificado por um calendário maior. 

    "Na Série C são mais rodadas. Se você for observar, nossa pontuação há quatro rodadas... Nós estávamos na liderança disparada. Mas, quando você joga a Série D, no 12º jogo, nós já tínhamos subido. Agora, não. Estamos na 17ª rodada. E são muitas viagens, é cansativo". 

    Para superar o desgaste, a falta de estrutura de "um clube semiprofissional" e as distâncias geográficas, Álvaro Miguéis conta com uma comissão técnica qualificada, ciente dos desafios que se apresentam adiante, e capaz de atenuar os efeitos das viagens nos atletas sem tantos recursos. 

    "O grande segredo é muito trabalho, tanto da parte das pessoas que me ajudam na comissão técnica, como os jogadores. Eles estão compromissados com nosso objetivo, que é chegar no mata-mata para buscar o acesso. Sabemos que é difícil para nós, porque o campo que temos para treinar é um torrão. No início do ano, até maio, tem muita chuva, é só lama. Só quando passa o período de chuva que treinamos no Florestão e na Arena da Floresta, nos campos que são excelentes. Mas, no primeiro semestre, treinamos na lama... Sem condições. Além de nossa condição financeira: não temos uma academia, um CT com estrutura mínima para disputar um campeonato desse nível. Falando a verdade, somos um time semiprofissional disputando uma Série C. Só quem acompanha essa chave do Nordeste sabe o quanto é difícil jogar essa competição. Se você for observar, nos anos anteriores, como agora, você joga para entrar no G4, mas, se perder o jogo, pode ir para o rebaixamento. Então é muito difícil. Para nós, pela nossa falta de estrutura, é mais difícil. A grande sorte que tenho é que as pessoas que trabalham comigo são pessoas altamente qualificadas, com mestrado, doutorado em recuperação de atletas, em treinamento esportivo. Nos conhecemos na Universidade do Acre, e nosso professor lá, de treinamento esportivo, que tem doutorado na Europa, formou conosco um grupo de pessoas que acaba suprindo a nossa falta de estrutura", disse. 

    Caso consiga mais um acesso, Álvaro acredita que o Atlético terá condições de realizar um trabalho melhor, com mais recursos. "O bom seria que teríamos condição de construir um CT com campos de grama com drenagem para treinar. Se não tivermos estrutura financeira fica difícil".

    O calendário, ainda maior que o da Série C, poderia ser, sim, um problema maior, mas a distância para os possíveis adversários na Série B, muitos do Sudeste e do Sul, não é tão ameaçadora. 

    "Eu assisto todos os jogos do Brasil, e é muito difícil você jogar terça-feira, sábado, segunda... E morando tão longe. Mas se tivéssemos uma base em Brasília, seria ótima. É só um pulo para lá e para cá. Mas moramos muito longe. Só a viagem para a Brasília demora quase 3h30. E o voo é sempre 3h da manhã. Isso mata o jogador. Por incrível que pareça, se formos jogar no Rio, São Paulo, em algum lugar do Sudeste ou até no Sul, chegamos primeiro que no Nordeste. Por causa do horário dos voos. No Nordeste demora mais". 

    Mas, apesar de todas as dificuldades, Miguéis acredita no sonho que teve na faculdade: "Desde de que entrei na Universidade Federal do Acre, falei que ia iniciar um trabalho no nosso time de coração, onde nossa família já havia trabalhado desde a fundação, e que ia conseguir colocar o time na Série B. Mas não sabia que as dificuldades eram tantas (risos). Mas quem sabe não conseguimos realizar essa promessa", garante. 

    "Se nós conseguirmos chegar na Série B, o que acho difícil, mas já estamos virtualmente classificados para o mata-mata, e se tivermos uma estrutura financeira e de logística que consiga realizar o projeto que temos em mente, é possível. Mas você tem que ter muito recurso financeiro. Pessoas com competência nós temos. O meu preparador físico, o Maurício, era o centroavante desse time. Os auxiliares, Alan, Henrique, todos eles eram jogadores. Entre 2013 até 2016, eles pararam de jogar e se dedicaram ao estudo. Então se tivermos uma situação financeira excelente, mas é difícil. Não temos um apoio financeiro. Temos patrocínio das Redes de Supermercados Araújo, que devemos muito, e a Unimed. Mas para jogar uma Série B e ter condições de fazer uma grande campanha, teria de ter o dobro de receita. Teria de receber uns cinco, seis, sete, oito milhões a mais. Ter condição financeira de ter centro de treinamento, recuperação de jogadores, academia... Estamos aqui seguindo nosso sonho de chegar na Série B, mesmo com toda a falta de estrutura", finalizou. 

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