Muitos dizem que Claudio Ranieri e seus comandados colocaram Leicester no mapa. Não é verdade. A cidade já tinha seus heróis, sejam eles dentro ou não da vida esportiva. Agora, o que ela ganhou foi um time de futebol com sua cara. Talvez já tenham existido outros, já que lá se vão mais de 132 anos. Mas nenhum conseguiu se colocar na história como este.
A reportagem de ogol.com.br esteve na cidade na semana do título, e pôde constatar que existem muitas similaridades entre o time de Ranieri e as ruas. Ao longo dos próximos dias, uma série de reportagens tomará conta do site, assim como os Foxes tomaram conta da Premier League.
A explicação do sucesso do time talvez se passe um pouco pela sua ligação com a cidade: um completa o outro, e a equipe representa muito bem seus conterrâneos.
A grande maioria desses 380 mil habitantes está feliz com o atual momento do futebol na cidade. Pelo menos foi o que pudemos acompanhar: torcedores ainda com bandeiras e faixas nas ruas, cantando e comemorando o título inédito. O clima parece ter contagiado até aqueles que pouco ligam para o esporte.
Nas ruas, as impressões do título variam do "não sou um fanático, mas é claro que estou orgulhoso e feliz, pela cidade", aos mais apaixonados, que ainda cantavam pela cidade, embriagados pelo feito histórico.
Já de cara, uma das similaridades entre a cidade e o time: a união. Conversando com funcionários de uma famosa pizzaria local, frequentada pelos atletas, os relatos indicam um grupo coeso também fora de campo: "eles são amigos. Todos se conhecem e costumam sair juntos". Claudio Ranieri fez do time uma "família".
A cidade também se uniu. A cada esquina, uma casa ou estabelecimento comercial mostra apoio ao time, com pôsteres e faixas. A Catedral da cidade agora tem no alto a bandeira do clube, assim como a prefeitura. O sucesso inesperado da equipe enche de orgulho os moradores de Leicester. A união fez a força.
Andando por Leicester, você é capaz de ouvir idiomas variados. Sim, claro, o inglês é o predominante, mas é comum, em muitos cantos da cidade, ou até no centro, você se deparar com línguas dos mais diversos lugares, de países de continentes variados.
A cidade é uma das três regiões do Reino Unido a ter como minoria os brancos, e sem que nenhum grupo étnico se sobressaia, de acordo com pesquisa da Universidade de Manchester.
A diversidade religiosa também é um fato. Trajes árabes são comumente vistos nas ruas. Tudo isso em uma cidade que não chega a ter 400 mil habitantes. As boas opções de faculdade e ensino contribuem muito para isso: os estudantes dão vida ao lugar, noite e dia.
Riaz Khan é muçulmano, torcedor do Leicester e escreveu o livro Khan: Memoirs of an Asian Football Casual (as memórias de quando fazia parte de um grupo de torcedores locais). Ele chegou a escrever que "Leicester é uma cidade única, você não é marginalizado". As barreiras entre as culturas parecem não existir.
Assim é também no time. Dos campeões ingleses, dez jogadores (41%) são nascidos na Inglaterra. Seis continentes estão representados: A África, com Gana (Amartey e Schlupp) e Argélia (Riyad Mahrez); América Central, com o jamaicano Wes Morgan; Ásia, com o japonês Shinji Okazaki; América do Sul, com o argentino Leonardo Ulloa; Oceania, com o australiano Mark Schwarzer; e Europa, claro.
Por ser uma cidade cosmopolita, Leicester conta com gente de todos os estilos. Personalidade na hora de se expressar não falta. Basta andar pelas ruas para notar.
Gente com cabelo preto, branco, azul, amarelo, vermelho... Tatuagens, blusas das mais diversas cores e com as mais diversas mensagens...
Não falta personalidade no jeito de ser do cidadão de Leicester. Assim como não falta no time. Ou há alguma dúvida que os comandados de Claudio Ranieri tiveram alguma dificuldade na hora de mostrar o que são?
Ousadia também não falta. Como está escrito em uma placa na Universidade de Artes de Leicester, criatividade e ousadia são armas que, quando bem usadas, podem trazer grandes resultados.
Logo ao desembarcar na estação de trem de Leicester, uma surpresa: dois stormtroopers (a tropa de elite do Império Galático do filme Star Wars) estavam à espera.
A surpresa fala um pouco sobre o que é a cidade, com sua capacidade de acolher, de forma inusitada, mas divertida, os seus visitantes. O povo de lá também parece carregar essas características.
Imprevisível e irreverente, a cidade de Leicester vê os adjetivos serem também bem empregados no time. Só de pensar que os Foxes foram, sem dúvidas, uma das maiores surpresas da história do futebol...
Quase toda a irreverência do time fica por conta de Riyad Mahrez, que faz absurdos com a bola. Há também alguns lances acrobáticos de um samurai chamado Okazaki, e muitas demonstrações de talento do matador Jamie Vardy.
Time e habitantes agora festejam juntos. Nas proximidades do estádio, mesmo alguns dias depois da comemoração do título, sons de buzinas, com torcedores ainda comemorando a taça.
Camisas da equipe eram facilmente encontradas nas ruas, assim como bandeira e outras demonstrações de apoio ao time. Um time e uma cidade em festa. Não é para pouco: o futebol de Leicester alcançou o inimaginável.