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    A história de Luis Guilherme

    Promessa das seleções de base dá um tempo do futebol, foca na faculdade e quer ser escritor

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    Para muitos meninos que sonham jogar profissionalmente, o futebol é tudo. Tudo. Vivem e respiram o esporte, que é a única esperança de vida nova para suas famílias. A escola, os amigos, e até a própria família ficam para trás, e o sonho se torna obsessão. Luis Guilherme é um ponto fora da curva, uma exceção.

    Hoje com 23 anos, o jovem teve uma prioridade: os estudos. Promessa das categorias de base do Botafogo, com convocações para as seleções de base, o goleiro deu um tempo no futebol. Hoje cursa psicologia, e pensa em, um dia, ser escritor. 

    Ironia do mundo da bola: alguns dos meninos que se aventuram no esporte mal sabem ler. Escrever já são outros quinhentos. Mas Luis Guilherme, como dito, é um ponto fora da curva. 

    O carioca chegou até a ir em Londres jogar bola. Sim, Londres. E mais: Manchester, Blackpool, Lyon e outras cidades europeias. Destaque na base do Botafogo, o jovem rodou a Europa em período de treinos. 

    "Foi uma experiência enriquecedora, porque eu pude conhecer outras culturas do futebol que até então não tinha conhecido, a forma de ver futebol, a forma de estudar futebol. Apesar de o futebol ser universal, cada país tem a sua peculiaridade", relembra o atleta, em conversa com a reportagem de ogol.com.br

    Luis Guilherme chegou a treinar com Joe Hart no Manchester City, a ver Jô, Tevez e Adebayor, e a conversar em Londres com Philippe Senderos, um suíço que "fala muito bem português". 

    A primeira viagem para tão longe, que teve a companhia de sua mãe, teve seus momentos de comédia. Pelo menos agora. O atleta lembra que se viu no filme "Missão Impossível", após ter que viajar podendo usar só 40 euros por dia. Andou de ônibus em Londres, de terno e gravata, e tentou se comunicar como podia. "(O inglês) não sei se era pior que o do Tevez, mas...". Boa coisa não era. 

    Sem oportunidades no Botafogo

    ©Arquivo pessoal
    Da Europa, de volta para o Botafogo. Mas o goleiro não conseguiu se destacar em General Severiano, e deixou o clube após mais de uma década.

    "Foi um misto de emoções. Ao mesmo tempo, me senti triste, porque foi triste, mas confiante que um novo ciclo poderia se iniciar. Ficou uma certa frustração de não ter um objetivo atingido. Eu fiquei de certa forma um pouco triste, mas, apesar de tudo, não tem mágoa, não levo nada negativamente", admite. 

    A saída das categorias de base foi precoce, como acontece com muitos jovens atletas no Brasil. "Houve um processo que foi muito precoce comigo, subi para o profissional muito cedo, e isso acabou adiantando muitos processos que levariam mais tempo". 

    "Há uma expectativa de lucro muito grande, essa é a realidade dos clubes brasileiros. Quanto mais rápido você vender o jogador, mais rápido o clube recebe o retorno financeiro. Você acaba sobrepondo o lucro em relação ao desenvolvimento do atleta", analisa. 

    Para Luis Guilherme, as lesões o atrapalharam um pouco. "Faltou sequência". Foram poucos os jogos no futebol profissional, o último deles em março de 2014, pelo Bangu, no Campeonato Carioca. 

    ©Vitor Silva/SSPress
    De General Severiano, o atleta guarda com carinho os momentos com o ídolo Jefferson. Ao mesmo tempo em que não deixou espaço para o garoto jogar, Jefferson foi um mentor. 

    "Hoje você fala em Botafogo, você fala em Jefferson. Era um cara que falava e seguia o que dizia, um atleta exemplar. É um goleiro que a gente sabe que, o que chama a atenção, não é só a qualidade, mas que ele é um goleiro constante. Pode vir a acontecer uma falha, mas é algo isolado. Esse é um dos segredos dele", comentou. 

    Os ETs na seleção

    Luis Guilherme também passou pelas categorias de base da seleção brasileira. Disputou, em 2009, o Mundial Sub-17, na Nigéria, ao lado de ETs como Neymar e Philippe Coutinho. Quer dizer... Nos treinos, eles não estavam do mesmo lado, já que Guilherme era o goleiro do time reserva. 

    "Os dois juntos, era história de eu estar no gol e a vontade era estar na torcida gritando "olé" junto. Tocava para um, driblava, tocava pra outro, driblava e ia ser golaço... Era uma briga feia, porque eu também não deixava a desejar, mas a qualidade deles era acima da média", disse. 

    Os "olés" não fizeram de Luis Guilherme um inimigo, mas um fã. O goleiro acompanha a carreira dos companheiros, que deu muito certo. Já era esperado... 

    "Uma coisa é certa: foram jogadores que cumpriram o que estava previsto. Nos clubes existem os jogadores de base que vão chegar no profissional, e os que não vão. Na seleção de base existem os que vão vingar, e os que não vão. O Coutinho já era falado desde os tempos de mirim, no futsal, e era um monstro. O Neymar chegou na seleção em 2008 e também era outro. Hoje é uma galera que está bem desenvolvida, mas já era esperado". 

    Naquele Mundial, o goleiro titular da seleção foi Alisson, recentemente lembrado por Dunga para o time principal. Luis Guilherme torce pelo companheiro, ao mesmo tempo em que lamenta a falta de sequência que o tirou a possibilidade de, até o momento, jogar no time principal do Brasil. 

    "A gente sabe que o futebol não é um processo linear, e a gente tem que ter paciência em relação a isso. No caso do goleiro, há uma série de fatores que contam. O goleiro é um jogador só, que dificilmente vai ser mudado. Houve no Inter, até certo ponto, uma troca muito grande de goleiros. A qualidade do Alisson é indiscutível, mas, em se tratando de goleiro, houve uma coisa que não aconteceu no Botafogo", reflete.

    A faculdade na frente da bola

    Agora, o momento é de recomeçar do zero. Luis Guilherme projeta voltar ao futebol em breve, mas tem outro projeto que está como prioridade: a faculdade de psicologia. 

    "Eu sempre criei o projeto da faculdade, porque, se tivesse um contratempo, eu tinha uma forma de dar seguimento a minha vida. A carreira do atleta é muito breve. Por mais que você tenha essa ideia de que o atleta venha a ganhar rio de dinheiro (não foi o meu caso, mas existe isso com muitos jogadores), ele tem um padrão de vida proporcional e, em muitos casos, vive além disso. Então eu sempre tomei precauções contra isso". 

    Guilherme está no nono período na faculdade IBMR. Para o projeto de conclusão do curso, prepara um trabalho sobre a psicologia no esporte, que pode ser o rumo a seguir na sua carreira. 

    ©Arquivo pessoal

    "Vai ser voltado na questão da transição dos jovens atletas para a carreira profissional. É um período delicado, que precisa ser muito mais observado. Você tem casos de atletas que passam de uma família humilde a morar na Barra da Tijuca, que saem do anonimato para virar estrela. E como ele vai lidar psicologicamente com isso? Vou tratar isso não só nos clubes grandes, mas nos pequenos também, que são realidades distintas", explicou. 

    O escritor

    Goleiro, estudante de psicologia e escritor. O jovem acha tempo ainda para escrever em seu blog, o "Pensamento além da meta", e projeta até um livro para o futuro. 

    "O blogue está sendo um piloto para isso. Eu pretendo utilizar os textos do blog para servir de conteúdo para um futuro livro, mas é um projeto a longo prazo. Mas é uma ideia bem bacana, mas ainda precisa conteúdo", disse o estudante, que costuma ler Bauman, Nietzsche e, nas horas vagas, Dan Brown. 

    Luis Guilherme é uma daquelas raras histórias no mundo da bola. Fez o caminho inverso de muitos, e deu um tempo no futebol para se dedicar aos estudos. Pensa em trabalhar em psicologia do esporte e escrever um livro. O futebol também está em seus planos, mas não é uma obsessão.

    O Brasil, mais que um goleiro fora de série, ganhou um cidadão fora de série. Infelizmente, mais por vontade do próprio atleta do que um processo projetado pelos clubes. A formação de atletas vem antes na formação do cidadão. E assim vamos, vendo exceções como Luis Guilherme no meio da regra geral, com não só carreiras jogadas fora, mas vidas. 

    Confira trechos da conversa entre a reportagem de ogol.com.br e Luis Guilherme: 

    Ogol.com.br: Como a experiência na Inglaterra e os treinamentos na Terra da Rainha? 

    Luis Guilherme: Treinei no segundo time. A gente tinha um contato frequente (com os profissionais). Tinha uma hierarquia, de jogadores do primeiro e do segundo time, mas o contato era diário. Era uma forma de você ver e observar os jogadores, os detalhes. Muitas das vezes aqui no Brasil, há um distanciamento entre base e profissional. 

    Teve contato com os jogadores de lá?

    Foram experiências breves. Quando cheguei em Manchester, Jô estava lá, Tevez, Adebayor, e teve uma parte de treinamentos com Joe Hart. Já no Arsenal teve uma conversa com o Phillip Senderos, que fala muito bem português, e conversamos com o Denilson. 

    Houve alguma história engraçada? 

    Houve sim. Eu fiz uma viagem de Londres para Blackpool, e de lá fui para Lyon. Ai foi uma saga tipo Missão Impossível. Teve vários contratempos. A gerente do banco não liberou o saque por completo, e dai eu só poderia sacar 40 euros por dia. Fiz essa viagem de terno e sobretudo, porque estava muito frio, dai houve uma série de contratempos. Voltei para Londres em um aeroporto, mas acabou que era no outro. Tive que cruzar a cidade de ônibus, o trânsito era terrível. Chegando lá deu excesso de bagagem, e eu não tinha dinheiro para pagar o excesso de bagagem. O que me salvou foi um cartão telefônico que tinha. Xinguei minha gerente de tudo quanto foi nome para ela liberar o meu cartão. Depois ainda perdi o voo para o Rio e fui para São Paulo. Em São Paulo também perdi outro voo. Enfim, foi uma loucura. 

    Você tem 23 anos e não jogou muito no profissional, tanto no Botafogo quanto nos clubes para os quais foi emprestado. O que acha que faltou? 

    Eu não tive uma sequência grande, infelizmente. Isso é uma coisa que pesa para o goleiro, que tem que estar atuando, ter ritmo de jogo, é uma exigência. Infelizmente, foi uma coisa que não tive. Houve um processo que foi muito precoce comigo, subi para o profissional muito cedo, e isso acabou adiantando muitos processos que levariam mais tempo. 

    Como foi a saída da base? 

    Há uma expectativa de lucro muito grande, essa é a realidade dos clubes brasileiros. Quanto mais rápido você vender o jogador, mais rápido o clube recebe o retorno financeiro. Ai também não envolve só o clube, muitas das vezes tem um grupo de investimento. A gente sabe que há contextos em que o clube não consegue arcar totalmente com o jogador. Ai você acaba sobrepondo o lucro em relação ao desenvolvimento do atleta. 

    Como analisa as categorias de base no Brasil?

    Um dos grandes problemas é essa questão do empresário, que vai querer a formação do seu atleta, mas, o quanto mais rápido tiver o lucro, melhor. Isso é algo que pesa bastante e, dentro do possível, o empresário vai fazer de tudo para estar vendendo. 

    Como era treinar contra eles? 

    Os dois juntos, era história de eu estar no gol e a vontade era estar na torcida gritando "olé" junto. Tocava para um, driblava, tocava pra outro, driblava e ia ser golaço... Era uma briga feia, porque eu também não deixava a desejar, mas a qualidade deles era acima da média. 

    O goleiro titular naquela competição foi o Alisson, recentemente convocado pelo Dunga. Fica um gostinho de que poderia ter sido você na lista, se não fossem as lesões e a falta de sequência? 

    Pode ser que sim, mas a gente sabe que o futebol não é um processo linear, e a gente tem que ter paciência em relação a isso. No caso do goleiro, há uma série de fatores que contam. O goleiro é uma posição única, independente do esquema. É um jogador só, que dificilmente vai ser mudado. Houve no Inter, até certo ponto, uma troca muito grande de goleiros. Teve Renan, depois veio o Dida, até o próprio Muriel. Houve uma facilidade para que isso acontecesse. Claro que a qualidade do Alisson é indiscutível, mas, em se tratando de goleiro, houve uma coisa que não aconteceu no Botafogo. Você teve a chegada do Jefferson e, depois do Jefferson, estabilizou. É difícil você arrumar um espaço. 

    O que projeta para a carreira, fora do Botafogo? 

    Andei conversando muito com amigos, empresários... O goleiro, salve algumas exceções, vamos colocar ai o Alisson, hoje o César, é muito difícil ver um goleiro novo no Brasil. Com essa saída do mercado, esse ciclo volte do início. É um marco zero. Terminei meu ciclo de formação no Botafogo e agora inicio um novo. Quero estar em atividade o mais rápido possível. No momento, de concreto, tem pouquíssimas coisas, mas estou vendo com meu empresário. Tem a questão da faculdade, que estou prestes a encerrar. Não no sentido de largar o esporte. Mas você tem um prazo que pode ser prejudicial, mas é um prazo relativamente curto (nono período, para o décimo). Uma graduação, para um goleiro, é uma coisa difícil de acontecer. 

    Soube que tem muitos projetos fora do futebol. Como eles estão? 

    A faculdade é o ponto principal. A psicologia aprendi com o tempo, mas o futebol aprendi desde moleque. Estou estudando bastante, pegando conhecimento e mantendo a minha forma. 

    Você tem um blog, o https://pensamentoalemdameta.blogspot.com.br/. O que gosta de postar nele? 

    São várias coisas. Não sou um escritor assíduo, até porque eu busco ter muito cuidado com o que escrevo, porque eu tenho uma visão que vai ser interpretada. Então busco escrever de tudo um pouco, mas de uma maneira neutra. Faço às vezes comentário sobre futebol, texto sobre motivação. Sempre que posso, e sempre que tenho inspiração, eu escrevo. É um espaço aonde eu direciono meus pensamentos. 

    Pensa em ter uma carreira de escritor? O que você gosta de ler?

    Já pensei. O blogue está sendo um piloto para isso. Eu pretendo utilizar os textos do blog para servir de conteúdo para um futuro livro, mas é um projeto à longo prazo. Mas é uma ideia bem bacana, mas ainda precisa conteúdo. 

    Qual o público do Blog? 

    Tenho um público de esporte. Vejo que posso passar conhecimento para os jovens que entram no mundo do futebol. É uma maneira de passar como vai ser essa estrada, as coisas que podem acontecer. Tudo o que envolve a carreira. Eu vi e vivi isso. A realidade que tenho hoje, um atleta que, não é aposentado, mas que, por uma razão ou outra, não está em atividade, também é uma parte da minha carreira. E eu quero compartilhar essa vivência, para que a gente possa pensar sobre. 

    Nós vemos muitos jogadores de futebol que abriram mão de estudar para jogar bola. Com você, não houve isso, e podemos dizer até que é o contrário. Como conseguiu adaptar as duas coisas e qual você viu como prioridade? 

    Eu sempre tive muito receio em relação ao porvir. Um dos motivos de eu ter cursado a faculdade foi essa minha precaução. Hoje eu sou atleta, tive um bom status no futebol, mas a gente sabe que o futebol é cíclico. Eu sempre criei o projeto da faculdade, porque, se tivesse um contratempo, eu tinha uma forma de dar seguimento a minha vida. A carreira do atleta é muito breve. Por mais que você tenha essa ideia de que o atleta venha a ganhar rio de dinheiro (não foi o meu caso, mas existe isso com muitos jogadores), ele tem um padrão de vida proporcional e, em muitos casos, vivia além disso. Então eu sempre tomei precauções contra isso. 

    Como surgiu a psicologia? 

    Foi uma conversa minha com a psicóloga do Botafogo na época, a Maíra. A gente sempre conversava, e ela elogiava muito a minha capacidade para a pouca idade que eu tinha. Chegou o momento em que eu tinha terminado o ensino médio, e falei para ela que ia fazer faculdade, mas sem saber de que. Ai ela falou: "olha, Guilherme, você pode fazer outros cursos, mas o de psicologia é algo que vai te agregar muitas coisas". Pensei um tempo e resolvi fazer psicologia. 

    Você sofreu algum tipo de preconceito no futebol?

    Já sofri. Não foi algo declarado. É claro que entristece, mas é um comportamento degradante não para mim, mas para quem faz. Eu ouvi que preto de luva é lixeiro, que goleiro preto tem osso pesado, e uma vez na seleção falaram para mim que eu tinha dificuldade de ser convocado por ser negro. Então foram coisas próximas, que me feriram muito. 

    E no mundo acadêmico?

    Não, porque houve o seguinte fator: mesmo eu estando no mundo acadêmico, eu me portei como tal. Não no sentindo de ser erudito, soberbo. Não arrastei isso para o futebol por motivo de soberba. Não vivi em nenhum momento preconceito, muito pelo contrário, fui muito bem recebido e consegui me expressar dentro desse meio. E muito se deu por isso, por saber lidar dentro desse contexto. Não adianta eu chegar no campo e achar que sei tudo, assim como não adianta chegar na faculdade como um popstar. 

    Quais seus projetos fora do futebol? 

    Pretendo trabalhar na área de psicologia do esporte. É um projeto até mais bem desenhado do que o futebol. Vou buscar mais certificados, especializações na área do esporte, para estar trabalhando também na categoria de base, buscando também introduzir o conceito de psicologia esportiva. Muitas vezes, esse conceito é banalizado. Foi algo que, na Copa de 2014, foi algo muito debatido, mas ainda não foi muito bem difundido. 

    Brasil
    Luís Guilherme
    NomeLuís Guilherme Loreno Marcelino Alves
    Data de Nascimento/Idade1992-06-04(31 anos)
    Nacionalidade
    Brasil
    Brasil
    PosiçãoGoleiro

    Fotografias(4)

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